Não sei se ainda é recente para escrever sobre um dos cachorrinhos que iluminou a minha vida (normalmente, quem não pode ter filhos tende a adotar os bichinhos como parte da família), mas vou tentar apenas descrever algumas das coisas das quais sentirei falta na personalidade dele, ainda tão presente, já que ele se foi de repente, sem aviso.

– Adorava tomar sol deitado na poltrona da sala, quase exclusiva para ele. Às vezes deitava na varanda também, mas a poltrona era o lugar preferido para tomar sol.

– Me desejava bom-dia ainda com os olhinhos fechados, parecendo um japonês. Detalhe: bastava eu abrir a porta do meu quarto para ele vir correndo, meio cambaleante de sono, para me beijar.

– Adorava roubar a toalha de rosto usada (ele puxava do gancho com os dentinhos) e chafurdar nela até cansar. Mas, se alguém visse, ele disfarçava e corria, pois sabia que estava fazendo bobagem.

– Chafurdava na pilha de roupas sujas, separadas para lavar. Se tivesse uma toalha no meio, aí, então, a festa era completa!

– Adorava chafurdar nos nossos travesseiros, mas só quando não estávamos olhando. Quando chegávamos, ele fugia.

– Quando fazia xixi nos lugares errados (era normal, para marcar território), se escondia até alguém descobrir. Quando descobríamos, ele vinha com uma cara de coitadinho, com o rabo entre as pernas, pé ante pé, e começava a pedir desculpas pulando na gente bem devagar (pois não sabia se aceitaríamos o pedido de desculpas).

– Tinha um cantinho para esperar a comida ficar pronta: debaixo da pia da cozinha. Ali, ele deitava e esperava pacientemente a comida ser servida.

– Na hora de ele comer qualquer coisa, eu tinha de fazer carinho, beijá-lo e ficar do lado. Se não fizesse isso, ele simplesmente ficava parado ao lado da tigela, olhando para mim e para o prato de comida (ou biscoito, se fosse o caso).

– Assim como exigia minha companhia na hora das refeições dele, quando eu me sentava para comer ele vinha para o meu lado e me pedia para puxar a cadeira para ele deitar. Ele subia na cadeira, deitava e dormia até eu terminar de comer.

– Apesar de ser muito carinhoso conosco, era conhecido como “pit-cocker” na rua toda, pois puxava briga com qualquer cachorro, de preferência maior que ele.

– Quando chegávamos em casa, a festa era deliciosa! Ele corria, pulava, rodava, lambia nossa cara.

– Adorava me observar, do alto da escada, enquanto eu trabalhava.

– Gostava de dormir com a cabeça enfiada atrás da porta, parecendo um cachorro-sem-cabeça.

– Bastava eu me aproximar da janela para ele começar a pular e pedir para eu colocá-lo na janela. Quando eu o fazia, ele ficava olhando a paisagem, curtindo o ventinho e o carinho.

– Adorava tirar fotos. Fazia até pose! Mas tinha limites. Se eu tirasse muitas fotos, ele começava a fazer cara de bravo.

– Tratava o Roney como “macho alfa” da casa. Respeitava-o ao extremo.

– Detestava ser agarrado e apertado (lógico que fazíamos isso o tempo todo porque ele era irresistível, mas ele ficava bravo). No entanto, se o Roney dissesse “Vou te pegar, Shadow, vou te pegar”, ele parava, abaixava a cabeça, abanava o rabinho e começava a rosnar. A sensação nítida que tínhamos era que ele pensava “Droga, eu gosto de carinho, mas tenho que manter a minha fama de mau”.

– Havia um “ponto de carinho” na sala. Ele vinha, parava ao lado do sofá (sempre no mesmo ponto) e ficava esperando carinho dos humanos escravos. Depois, se derretia todo e deitava no mesmo lugar. Se parássemos o carinho, ganhávamos uma leve patadinha, como quem dissesse “Ainda não estou satisfeito, pode continuar, por favor, escravo?”.

– Não podia ver uma bacia, sacola ou qualquer coisa em que ele pudesse entrar e deitar enroscadinho.

– Detestava tomar banho. Se escondia debaixo da cama e rosnava para quem se aproximasse. Na época em que Bilbo (nosso outro fofinho que nos deixou depois de uma doença grave) ainda estava por aqui, um defendia o outro contra quem viesse buscar a próxima “vítima” do banho.

– Quando ainda era bem pequeno, tomava sorvete que nem gente grande (dado por uma amiga nossa). Depois perdeu a mania, mas não podia nos ver tomando sorvete que fazia aquela cara de coitadinho para ver se conseguia algum.

– Tinha um ciúme danado da empregada. Ninguém podia se aproximar dela e tocá-la, pois ele avançava para morder.

– Bilbo ficou cego muito cedo (por volta dos 7 anos). Shadow servia de guia para ele: levava-o para beber água, ir ao banheiro e o guiava de volta, não permitindo que o Bilbo batesse com a cabeça em lugar nenhum. Uma cena comovente.

– Adorava roubar batatas para roer! Ele roubava da cesta de legumes e o Bilbo roubava dele. Uma comédia!

– Quando a Lady (outra cachorrinha que acolhemos) se escondia do banho, ele a delatava. Ia aonde quer que ela estivesse (normalmente ela se escondia do meu lado, no escritório) e começava a latir, chamando a empregada e alertando onde estava a fujona.

Quando ele ainda era bebê, veio para a casa da vizinha. A empregada odiava (odeia) animais e batia muito nele. Chegou até a jogá-lo contra a parede dentro de um lençol. Passava dias e dias preso na varanda, sob sol ou chuva, ou preso no lavabo, sem comida e sem água. Com isso, ele bebia o próprio xixi e comia papel higiênico para sobreviver. Não tomou nenhuma vitamina quando era bebê, então ficou nanico o resto da vida.

Foi assim que a nossa empregada começou a trazê-lo para cá: para dar banho, comida e água. Não demorou muito para que, toda vez que a vizinha abria a porta, ele fugisse para cá e arranhasse a porta para ser acolhido. Foi assim que herdamos esse bichinho fofinho, lindo e carinhoso antes de completar um ano de vida. Tenho certeza que ele teve dias MUITO felizes aqui. E que nós fomos muito felizes com ele.